26.8.19

"Estagnação secular" - impotência da política monetária

Lawrence Summers e Anna Stansbury, em artigo publicado pelo Project Syndicate (1), sugerem que o problema da “estagnação secular”, identificado por Summers em 2013, é “muito mais profundo do que é geralmente avaliado” (2).

Para os autores, reduções adicionais das taxas de juros "podem ser não apenas insuficientes, mas, de fato, contraproducentes, como resposta para a estagnação secular".

Isso ocorreria porque, enquanto o impacto positivo de uma redução de juros sobre a demanda agregada é atualmente bastante limitado, devido à contração da participação no PIB dos setores cuja demanda é sensível à taxa de juros, a redução dos juros pode ter efeitos deletérios sobre a demanda agregada, a eficiência da economia e a estabilidade financeira (3).


Redução da demanda agregada

Uma redução da taxa de juros pode causar uma queda da despesa de consumo, se o efeito-renda da redução do juro sobre o consumo mais do que compensar o efeito-substituição.

Se a queda da taxa de juros resultar em juros nominais negativos para os depositantes, a despesa de consumo pode se reduzir, em consequência do efeito riqueza negativo da contração dos saldos monetários mantidos pelos consumidores nos bancos.

Uma redução dos juros pode levar a uma redução da oferta de crédito, porque reduz a lucratividade dos intermediários financeiros, afetando negativamente sua posição de capital.


Redução da eficiência econômica

Taxas de juros baixas impedem a alocação eficiente de recursos, porque contribuem para manter a tona empresas ineficientes e favorecem as firmas incumbentes, reduzindo a competição.


Aumento da instabilidade financeira

Taxas de juros baixas promovem a formação de bolhas nos preços dos ativos, aumentando a instabilidade financeira.


A origem das dificuldades econômicas atuais, segundo Summers e Stansbury, estaria não nos problemas de rigidez e fricções postulados pela Nova Economia Keynesiana para explicar as flutuações macroeconômicas, mas em “uma falta de demanda agregada mais fundamental”.

Assim, seria necessário voltar às “velhas” concepções keynesianas sobre a impotência da política monetária e a necessidade de estimular a demanda agregada via política fiscal e outros meios.


(1) Uma versão do artigo em português pode ser encontrada aqui.

(2) Sobre o conceito de "estagnação secular", consultar também esta postagem.

(3) Argumentos semelhantes são apresentados por Thomas Palley, neste artigo.

23.8.19

Mudança cultural e crescimento econômico

Crescimento econômico, entendido como o aumento relativamente rápido e sustentado da produção de bens e serviços por habitante, é um fenômeno recente, observado apenas nos últimos dois séculos da história da humanidade.

Joel Mokyr, no livro “A Culture of Growth: The Origins of the Modern Economy”, propõe que a emergência do crescimento econômico decorreu de uma mudança cultural – a disseminação da idéia de que o mundo natural é uma realidade objetiva, que pode ser compreendida e, a partir disso, controlada, tendo em vista o aumento do bem estar humano.

A gestação e difusão desta concepção do mundo, para Mokyr, foi um resultado da formação na Europa, a partir do século XVII, de uma comunidade transnacional de “scholars”, caracterizada por uma nova atitude com relação à produção do conhecimento, baseada nas normas de Merton do "comunalismo, universalismo, desinteresse e ceticismo organizado”.

Mais do que a geografia (à la Diamond) ou as instituições (à la North), foram as idéias, a cultura que tiveram um papel decisivo para o crescimento econômico, de acordo com Mokyr.

Enrico Spolaore resenha o livro neste working paper da NBER.

20.8.19

Queda "secular" da taxa de juros

Nas últimas semanas, se assistiu a mais uma rodada de redução de taxas de juros básicas mundo afora.

Vale a pena, nesse contexto, recordar as principais explicações para os níveis muito baixos de taxas de juros observados nas economias desenvolvidas, desde a crise financeira de 2008.

Como ensina o manual de macroeconomia, a taxa de juros real de longo prazo é determinada pela poupança, que corresponde à oferta de fundos de empréstimo, e pelo investimento, que corresponde à demanda por aqueles fundos. Assim, reduções da taxa de juros real de equilíbrio devem estar associadas a aumento da poupança e/ou redução do investimento.

As causas mais apontadas para o aumento da poupança, nas duas últimas décadas, são:

– aumento da expectativa de vida: vivendo mais tempo aposentadas e, assim, sem renda do trabalho, as pessoas necessitam poupar mais, para preservar seu padrão de consumo no período de aposentadoria.

– aumento da desigualdade na distribuição de renda: como a propensão a poupar dos ricos é maior do que a dos pobres, um aumento da concentração de renda leva a um aumento da taxa de poupança.

Os motivos mais mencionados para a redução do investimento são:

– crescimento da população e progresso técnico mais lentos: como o estoque de capital desejado pelas empresas é proporcional ao PIB, a redução da taxa de crescimento do PIB, que é determinada pela soma das taxas de crescimento da população e de progresso técnico, leva a uma redução da taxa de investimento.

– queda do custo do investimento, decorrente do aumento da participação de bens de informática, cujos preços se reduziram rapidamente, no investimento total.

– aumento da importância relativa do setor de tecnologia da informação, que é menos intensivo em capital físico e, portanto, demanda menos fundos para investimento, no investimento total.

Uma discussão dessas e outras questões relacionadas à queda da taxa de juros real de equilíbrio pode ser encontrada no e-book Secular Stagnation: facts, causes and cures, organizado por Coen Teulings e Richard Baldwin.


A par dos fatores listados acima, a demanda de investimento das empresas pode também estar sendo negativamente afetada, mais recentemente, pela "guerra comercial" promovida pelo governo Trump - não tanto pelo aumento das tarifas de importação, mas principalmente pelo caráter errático, imprevisível desta política e pelo consequente aumento da incerteza, conforme Paul Krugman explica aqui.

18.8.19

Como tributar os ricos

Natasha Sarin e Lawrence Summers, nestes links - Parte 1 e Parte 2 -, discutem três alternativas para aumentar a tributação incidente sobre as rendas muito elevadas:

(i) alargamento da base tributária, através do combate à evasão fiscal, eliminação de lacunas na legislação que permitem diminuição do imposto a pagar, redução de isenções e deduções para os ricos, tributação de ganhos de capital não realizados e ampliação do imposto sobre heranças

(ii) aumento da alíquota marginal do imposto de renda

(iii) criação de um imposto sobre a riqueza

14.8.19

Preços quânticos

O conceito de preços quânticos, derivado da análise de dados sobre preços de grandes empresas de varejo, conduzida pelos economistas do MIT Roberto Rigobon e Diego Aparicio, é discutido neste artigo de The Economist – edição de 10/08/2019.

O ponto de partida é a constatação de que firmas que vendem milhares de itens diferentes não os oferecem a milhares de preços diferentes, mas, em vez disso, tendem a agrupá-los em um número limitado de pontos de preços (a Uniqlo, por exemplo, vende 4.000 itens, distribuídos em menos de 20 preços).

Quando mudam o preço de um item, tais firmas, em lugar de mover o preço um pouco, tendem a realocar o item para uma das categorias pré-existentes de preços, ou seja, seus preços variam de maneira discreta, não contínua (daí a designação de “preços quânticos”).

Com frequência, quando as condições de mercado se modificam, estas firmas, em lugar de rever seus preços, (re)desenham seus produtos, de modo a adequá-los aos pontos de preço em que já se encontram. Se, por exemplo, os custos de produção sobem, em lugar de subir os preços, as firmas reduzem a qualidade, tamanho ou peso do produto.

Uma das implicações desse tipo de precificação é que uma queda da taxa de desemprego e o aumento de salários a ela associado afetam pouco os índices de inflação. Essa subestimação da inflação pode ser uma das possíveis explicações para o “achatamento” da curva de Phillips.

11.8.19

Riqueza Nacional

A renda e o bem estar dos residentes de um país dependem de sua riqueza, ou seja, da sua dotação de recursos produtivos.

Estimativas da riqueza nacional para 141 países estão disponíveis no relatório The Changing Wealth of Nations, publicado pelo Banco Mundial. 

Na definição do Banco Mundial, a riqueza nacional possui quatro componentes:

·         capital natural: óleo, gás natural e carvão; minerais; lavouras e pastagens; florestas; reservas naturais (áreas terrestres protegidas)

·         capital produzido: estruturas e edifícios; máquinas e equipamentos; terrenos urbanos residenciais e não residenciais

·         capital humano: conhecimento, experiência e esforço dos integrantes da força de trabalho

·         ativo externo líquido, que equivale à posição de investimento internacional do país


Capital Natural

O valor dos recursos que compõem o estoque de capital natural de um país é estimado como o valor presente do fluxo de renda esperado do recurso, com a renda sendo dada pela diferença entre o valor da produção e o custo dos insumos, incluídos neste custo a remuneração do trabalho e o retorno “normal” do capital.

O fluxo de renda esperado pode ser finito ou infinito, dependendo de o recurso ser exaurível ou renovável, e é obtido a partir da suposição de que a renda anual futura do recurso será igual à renda observada em anos recentes.

O valor presente deste fluxo de renda esperado é dado pela aplicação de uma taxa de desconto de 4% a.a., correspondente à taxa observada de retorno real de longo prazo (100 anos ou mais) dos ativos financeiros.

Capital Humano

O estoque de capital humano é calculado de forma similar, sendo dado pelo valor presente do fluxo esperado de rendas do trabalho, ao longo do tempo de vida da pessoa.

Supõe-se que a renda do trabalho aumenta a uma taxa constante de 2,5% a.a., devido ao aumento da produtividade, com o fluxo de renda esperado sendo, então, descontado à mesma taxa constante de 4% a.a., de modo que a taxa de desconto efetiva é de 1,5% a.a.

Capital Produzido

O valor do estoque de estruturas e edifícios e de máquinas e equipamentos é obtido pelo método do inventário perpétuo, enquanto o valor dos terrenos urbanos é estimado como uma proporção fixa, equivalente a 24%, do total do capital produzido.


Como mostra a tabela abaixo, o capital natural responde por uma parcela maior (20%) da riqueza nacional do Brasil, em comparação com os países de alta renda da OCDE (apenas 3%), com a participação do capital produzido (17%) e, em menor medida, também do capital humano (65%), em contrapartida, sendo mais reduzida no Brasil do que naqueles países.


                                       Riqueza por tipo de ativo - 2014 (% do total)

Tipo de ativo                             Mundo    Países de renda      Países de alta            Brasil
                                                                    média alta              renda da OCDE

Capital Natural                                9                  17                               3                         20
Capital Produzido                           27                 25                              28                        17
Capital Humano                              64                 58                             70                         65
Ativo Externo Líquido                      0                   0                               -1                         -2

Total                                              100               100                            100                      100

8.8.19

Senhoriagem



Senhoriagem é a diferença entre o valor de face de uma nota de real e o seu custo de produção. Corresponde, assim, ao lucro que o governo obtém com a emissão de moeda.

A figura acima mostra que o custo de produzir mil notas de 50 reais, com um valor de face total de R$ 50 mil, era de apenas R$ 62,75, em 2002, com a diferença constituindo lucro para o Banco Central e, portanto, receita para o governo.

Esta página traz informações sobre o custo de produção das notas e moedas de dólares americanos, em 2019. Assim, por exemplo, para produzir uma nota de 100 dólares, o custo incorrido pelo Federal Reserve é de apenas 14,02 centavos de dólar.

6.8.19

Atraso da renda per capita do Brasil

Uma maneira simples de avaliar o atraso de um país em termos de renda per capita é mostrar com que antecedência países desenvolvidos alcançaram o nível de renda corrente do país de interesse.

Dados da MPD 2018 indicam que a renda per capita do Brasil em 2015 equivalia à renda per capita dos Estados Unidos em 1950, ou seja, em relação aos Estados Unidos, o atraso brasileiro é de 65 anos.

O ano de 2015 foi escolhido para a comparação porque é o ano em que a renda per capita do Brasil alcança o valor mais elevado na série CGDPPC daquela base de dados, a suposição, neste caso, sendo que a queda da renda per capita brasileira ocorrida nos anos seguintes se deve a choques de natureza temporária, cujo efeito se dissipará completamente, no longo prazo.


PIB per capita do Brasil em 2015 era igual ao PIB per capita

      dos Estados Unidos em 1950/51

      da França em 1968/69

      da Alemanha em 1968/69

      do Reino Unido em 1969/70

      do Japão em 1972/73

      da Itália em 1975/76

      da Espanha em 1988/89

      de Portugal em 1992/93 

5.8.19

Como ensinar Introdução a Economia


De acordo com Justin Wolfers, mostrando para os estudantes que tanto a microeconomia como a macroeconomia proporcionam ferramentas de análise de grande valia para a tomada de decisões de natureza pessoal, profissional e patrimonial, ou seja, são úteis mesmo para quem não pretende seguir a carreira de economista.

Leia o artigo e assista o vídeo.

3.8.19

Dilemas da política monetária sob governos populistas


Raghuran Rajan explica, neste artigo, o conundrum (para cunhar uma expressão) enfrentado pelos Bancos Centrais sob governos populistas.

·         A incerteza gerada pelas ações heterodoxas e imprevisíveis de um governo populista tem um efeito deflacionário.

·         Como o mandato do Banco Central requer um afrouxamento da política monetária quando o crescimento desacelera, mesmo um Banco Central autônomo se torna efetivamente um seguidor do governo populista.

·         Isso, por sua vez, pode estimular o governo a adotar políticas ainda mais arriscadas, na suposição de que o Banco Central resgatará a economia, se necessário.

·         Como a capacidade do Banco Central de compensar erros de política é, na verdade, limitada, a situação da economia pode se tornar bastante problemática, com o BC sendo, então, acusado de não fazer o suficiente.