Abaixo trecho de um artigo de Malcolm Gladwell, publicado na New Yorker - edição de 28 de agosto de 2006, discutindo a relação entre demografia (taxa de dependência) e crescimento econômico.
De acordo com Gladwell, reduções na taxa de dependência explicam em parte os milagres econômicos irlandês e asiático, assim como a elevada taxa de dependência é um fator crítico na determinação do desastre africano.
Irlanda
"Nas últimas duas décadas, a economia da Irlanda, que era uma das mais atrasadas da Europa Ocidental, passou a ser uma das mais fortes: sua taxa de crescimento tem sido praticamente o dobro daquela do restante da Europa".
"Não há falta de explicações. A Irlanda aderiu à União Européia. Abriu seus mercados. Investiu bem em educação e na infra-estrutura econômica. É um país politicamente estável com uma força de trabalho sofisticada e móvel".
"David Bloom e David Canning, economistas de Harvard, sugerem, porém, em seu estudo do 'tigre celta', que um fato demográfico singular pode ter sido da maior importância".
"Em 1979, restrições com relação à contracepção que existiam desde a criação da Irlanda foram levantadas e a taxa de natalidade começou a declinar. Em 1970, a irlandesa média tinha 3,9 filhos. Em meados dos anos 90 esse número tinha se reduzido a menos de 2".
"Como resultado, quando as crianças irlandesas nascidas na década de 60 se integraram à força de trabalho, não havia muitas crianças nas gerações logo atrás delas. A Irlanda se viu repentinamente livre do enorme custo social de assistir, educar e cuidar de uma grande população dependente".
"Esta relação entre o número de pessoas que não têm e que têm idade para trabalhar é captada pela taxa de dependência. Na Irlanda, na década de 60, quando a contracepção era ilegal, havia dez pessoas muito velhas ou muito novas para trabalhar para cada 14 pessoas em condições de ter um contracheque. Isso significava que o país estava gastando uma grande percentagem dos seus recursos na assistência aos jovens e aos velhos. Em 2005, a taxa de dependência da Irlanda alcançou um recorde de baixa: para cada dez dependentes, o país tinha vinte e duas pessoas em idade de trabalhar. Essa mudança coincide exatamente com o extraordinário surto econômico do país".
Ásia Oriental e Índia
"Os demógrafos estimam que quedas nas taxas de dependência são responsáveis por cerca de um terço do milagre econômico na Ásia Oriental no período do pós-guerra; esta é uma região do mundo que, no curso de vinte e cinco anos, viu sua taxa de dependência declinar trinta e cinco por cento".
"Taxas de dependência podem também ajudar a responder a muito discutida questão de qual dos dois países – a Índia ou a China - tem um futuro econômico mais brilhante. Nos anos 60, a China reduziu sua taxa de natalidade dramaticamente. A Índia, por outro lado, reduziu sua taxa de natalidade mais devagar – seus melhores anos ainda estão por vir".
"A lógica das taxas de dependência opera obviamente de maneira igualmente poderosa na direção inversa. Se uma economia se beneficia de ter uma grande parcela de pessoas em idade de trabalhar, ela enfrentará tempos difíceis quando aquela grande parcela de pessoas se aposentar e houver relativamente poucos trabalhadores para ocupar o seu lugar".
"Para a China, as próximas décadas serão mais difíceis. 'A China vai alcançar um pico com uma taxa de dependência de 1 para 2,6 pessoas entre 2010 e 2015', diz Bloom. 'Mas então voltará para um pouco acima de 1 para 1,5 por volta de 2050. Esta é uma mudança bastante dramática. Trinta por cento da população chinesa terão mais de 60 anos em 2050, o que corresponde a quatrocentos e trinta e dois milhões de pessoas'. Os demógrafos às vezes dizem que a China se encontra numa corrida para ficar rica antes de ficar velha".
África
"Os economistas há muito tempo dão atenção ao crescimento populacional, argumentando ora que ter um grande número de pessoas em um país é uma coisa boa (estimulando a inovação), ora que é uma coisa ruim (levando ao esgotamento de recursos escassos). Mas uma análise das taxas de dependência nos diz que o que é crítico não é apenas o crescimento da população, mas sua estrutura".
“ 'A introdução da questão demográfica reduziu a necessidade de se recorrer ao argumento de que há algo de excepcional com relação à Ásia Oriental ou de idiossincrático com respeito à África', Bloom e Canning escrevem em seu estudo do milagre irlandês. 'Uma vez que a dinâmica da estrutura etária é introduzida no modelo de crescimento econômico, estas regiões se acham mais próximas de obedecer a princípios comuns de crescimento econômico' ".
"Este ponto é importante. As pessoas falam sem parar sobre as deficiências políticas, sociais e econômicas da África e simultaneamente de algum ingrediente cultural mágico possuído pela Coréia do Sul, Japão ou Taiwan que os levou ao sucesso".
"Mas a verdade é que a África Sub-Sahariana está presa numa debilitante taxa de dependência de 1 para 1 por décadas e esta proporção de dependentes frustraria ou complicaria o desenvolvimento econômico em qualquer lugar. A Ásia tem visto, enquanto isso, sua carga demográfica se tornar extraordinariamente mais leve nos últimos anos".
Conclusão
"Conseguir uma taxa de dependência de 1 para 2,5 não torna o sucesso econômico inevitável, mas, dada uma infra-estrutura econômica e política razoavelmente funcional, certamente torna o sucesso muito mais fácil".
(O artigo de David Bloom e David Canning citado por Gladwell pode ser encontrado neste link).